Correspondentes

Aqui estão reproduzidas as cartas trocadas entre dois amigos: uma adolescente e seu professor de Português, que ficava "louco" com os erros crassos que ela cometia. A troca de cartas começou quando ela estava com 13 anos e ele, devia ter uns 40. A amizade dura até hoje: ela tem 50 e ele quase 80. Mas a frequência diminui muito quando ela se casou, aos 20 anos. As cartas continuaram a existir, porém, com maiores intervalos.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Primeira carta

O Professor havia sido transferido para Brasília. Tivera de escolher, ou melhor, fora obrigado a escolher entre o parco salário de professor de português numa escola estadual em São Caetano do Sul (SP) e um alto cargo num ministério em Brasília. Embora ele afirme que não foi o dinheiro que o motivou, a verdade é que, mesmo reclamando muito por ter de  "abandonar" suas alunas prediletas, ele foi. E para aplacar a saudade, incentivou que as meninas escrevessem cartas, muitas cartas. Ele disse que responderia a todas. de fato, ele também escreveu bastante. Naquela época não havia Internet, uma ligação telefônica interurbana era difícil e impraticável além de cara. E o Correio era uma lástima. Mas, bem ou mal, as cartas acabavam chegando, às vezes duas ou três ao mesmo tempo.
Alguns nomes foram trocados para manter a privacidade dos envolvidos. Doravante o Professor será assim designado e a menina será a Aluna. Divirtam-se!


" Engraçado como as distâncias, às vezes, desaparecem repentinamente. Ontem à noite eu estava no Rio de Janeiro; hoje pela manhã, em São Paulo; à tarde em Brasília e agora em São Caetano do Sul. Exatamente, em São Caetano do Sul com sua carta....com você.
É incrível, mas eu estou com você novamente. Vendo você numa garota escolar que passa por mim na rua. Eu sempre tive duas manias irreparáveis: a primeira, observar ao máximo o comportamento dos seres, até mesmo dos inanimados; e a segunda, buscar uma comunicação com eles, até mesmo espiritual. Eu não consigo olhar, sem ver; nem ver, sem imaginar o interior das coisas. Eu não consigo falar, sem sentir (já entrei bem, várias vezes, por falar o que sentia, a quem não devia ou não estava preparado para ouvir); e não consigo sentir, sem reagir.
Eu olho, vejo, penso, sinto e reajo. Isso é uma rotina. Agora eu estou olhando a sua carta, estou vendo você; pensando no que você disse; sentindo uma imensa saudade e só posso reagir, reestabelecendo uma comunicação entre nós.

Brasília, 6 de Dezembro de 1972
Minha querida Aluna
Se você ficar satisfeita em saber, creia, sua carta chegou no momento certo. Aliás, elas sempre chegam nos momentos certos. Pena que nunca chegam.
Eu estava muito cansado de minhas viagens. Minha família houvera ficado em S.Paulo e estava me sentindo muito só. O meu trabalho, por si só, não era suficiente para modificar esse estado. Fico às vezes, dias inteiros despachando papéis (você sabe o que quer dizer isso? - Não queira saber nunca. É a burocracia, minha querida). É o que não devia ser. Outras veze4s, fico mergulhado numa montanha de papéis, cheios de palavras completamente despidas (que vergonha!) de conteúdo. E o que eu quero, não é nada disso. Eu queria estar, novamente, no meio de vocês. Ensinando, às vezes; aprendendo outras, mas falando a mesma língua e observando as pessoas que têm o mesmo padrão de entendimento que o meu. Qualquer dia eu largo tudo e volto correndo. Aí, entretanto, eu não sei se vou encontrá-las novamente.
Eu estava assim, quando sua carta chegou. Por aí você pode imaginar a minha satisfação. Vou parar para continuar depois. 
Dia 10/12/1072
Foi bom mesmo eu haver parado. Eu já estava começando a falar somente de mim, quando eu devia estar falando de vocês.
Fiquei muito satisfeito em saber do seu reencontro consigo mesma. E, embora você não goste que outras pessoas interfiram em sua vida, eu vou me arriscar a fazê-lo.
Dia 13/12/1972
Nós sempre devemos ouvir. Ouvir até mesmo as pessoas mais humildes e de outra mentalidade que a nossa. Foi exatamente por esse motivo é que fomos dotados do sentido da audição. Entretanto, é muito difícil saber ouvir. É até mais difícil do que saber falar.
Isso não quer dizer que ouvir seja sinônimo de concordar.
Dia 14/12/1972
A vantagem de ouvir é a seguinte:
  1. Se concordamos, tivemos lucro porque conseguimos apreender alguma coisa com terceiros. Pudemos recobrar o caminho da razão e alcançar alguma coisa com mais facilidade;
  2. se não concordamos, fortaleceremos, provavelmente, o nosso ponto de vista contrário;
  3. se concordamos em parte e discordamos em outra, afinal, nos ajustamos.
 Dia 15/12/1972
Você, Aluna, sempre me pareceu uma garota de opinião. e de opinião bem formada. É claro que, apesar de sua genialidade e precocidade você de quanqleur forma não tem muita experiência na vida. Afinal de contas, são apenbas 13 aninhos que no NATAL se transformarão em 14 (não esqueci). As suas amigas, como você, têm as mesmas qualidades e a mesma inexperiência. É natural, portanto, qiue haja choques. Mas, nem preciso precisa virar UMA FERA
Dia 25/12/1972
Parabéns a você
Nesta data feliz!
Muitos anos de vida!
Etc....etal.
Dia 2/1/1973 
(no original ele continuou escrevendo 72 - NE)
A correria que esse final de ano provocopu amis o meu trabalho normal, fizeram com que eu não soubesse onde havia colocado a minha carta. reencontrei-a e vou mandá-la assim mesmo. Nunca rasgo o que escrevo.
Dia 31/1/1973
Aluna
A sua classe continua vencedo em matéria de carta.
Recebi: 3º D - sua, E., S., N., S. = 5
3º A - S. e C. = 2
Por enquanto somente escrevi para a E. (não sei o qie aconteceu com ela, pois não sei nem se recebeu a minha carta; para a N., idem) e para a S. (essa menina é espetraculçar. Não lhe conto o que ela me escreveu, mas sinceramente é espetacular). Vou escrever para ela novamente.
Um abraço
Professor
P.S. - Escreva novamente. Peça a S., E. e N. que me escrevam também.

EM LETRAS VERMELHAS (URGENTE)
S.O.S. (SOCORRO!)
MANDEM NOTÍCIAS COM URGÊNCIA.
NÃO ME DEIXEM SEM LER.
PROFESSOR
FELIZ ANO NOVO A TODOS OS SEUS
PROF.

NE - Na medida do possível as postagens obedecerão a estrutura original das cartas. Algumas vezes farei interferências com fonte diferenciada para situar melhor o leitor.



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